terça-feira, 27 de julho de 2010

photo grafia XXXIX


"respirar mais fundo"
porto santo - arquipélago da madeira - oceano atlântico

fotografia: raquel patriarca
julho.doismiledez

quarta-feira, 14 de julho de 2010

photo grafia XXXVIII


"pôr do sol"
varanda - piódão - serra do açor

fotografia: raquel patriarca
vinteequatro.junho.doismiledez

de pretender atingir a plenitude complexa das coisas da criação ou o pecado de fazer perguntas

que diabo de ideia foi esta de se corresponder uma infracção
a cada desejo instintivo de prazer? o senhor é sádico, é masoquista,
ou é as duas coisas? ou então é um plagiador do pior
e sem vergonha na cara, que isto em que vivemos
não é mais que a versão descolorida do tártaro clássico onde o alvo
do desejo se nos revela e se nos escapa, onde repetimos
os mesmos erros – invariavelmente –, onde sofremos
as mesmas dores, as mesmas perdas – constantemente

e se é no livre arbítrio que explicam as ambivalências do bem
e do mal, as encruzilhadas e os caminhos percorridos, de que lado
da trincheira se há-de encaixar a ideia peregrina
da criação e comércio das bulas de indulgência ou
a estratégia brilhante baseada na inércia
a que comummente se chama de regime de prescrições?
pertencem à instancia das culpas, à família alargada dos perdões?

e o inferno? ainda recebe gente ou esgotou a lotação?
talvez se reserve, nos tempos que correm, à 'nata da escumalha'
sendo que o resto de nós, pecadores impenitentes
e hereges sensaborões, se vão ficando
órfãos e desgarrados pelos tapetes do purgatório, essa espécie
de foyer para almas medíocres, que ninguém sabe explicar o que é
mas que, ainda assim, é suposto ser certo que existe

e, já agora que estamos nisto, como pode uma
simples pessoa simples
sentir o conforto e o consolo da crença no divino
e a leveza da resignação e da confiança no eterno,
quando a pedagogia da fé lhe foi ditada por uma ogra
com excesso de pêlos e escassez de escrúpulos,
que manda fazer desenhos e só distribui canetas de feltro
de cor castanha, cinzenta e preta?

foi então que senti enterrar-se-me um par de orelhas de burro
pela cabeça abaixo e, de frente para a parede, fiquei de castigo
a ouvir as horas passar. e quando,
impaciente e de dentes cerrados, balbuciei
"que diabo!...”
a terra tremeu e o ribombar do trovão
foi a última coisa que ouvi

raquel patriarca
dez.julho.doismiledez

photo grafia XXXVII


"brincar brincar brincar"
corredores e montras - museu do brinquedo - seia

fotografia: raquel patriarca
cinco.novembro.doismileoito

pecado da gula

é melhor a ementa que o soneto
.
hoje há…

consomê em verso ou creme de ervilhas_________1,00€
amêijoas à chefe com molho de redondilhas_____3,50€
rimas de cebolada (com arroz e salada)_______12,00€
sonetos de amor com broa e batatas a murro___13,50€
bife de estrofe na brasa e legumes d'esturro_12,75€
haiku de chocolate com gelado de limão________2,80€
mousse de manga com noz e quadras de s. joão__2,80€


bom apetite e volte sempre
.
dedicado aos companheiros d' o mar parece azeite.
raquel patriarca
catorze.julho.doismiledez

reflexos II

"loja de santinhos"
uma qualquer montra - rua das flores - porto
raquel patriarca
dois.fevereiro.doismiledez

o dia em que conheci o medo

antes
de conhecer
o medo
o mundo era leve
mais colorido
as terras habitadas
por barões aventureiros
índios e fadas
príncipes garbosos
criaturas fantásticas
e animais maravilhosos

qualquer sombra
ou inquietude
era – nesse tempo –
como um segredo
desconhecido
distante

até ao dia
em que conheci
o medo
descobri a tremura
nas pernas
a semente dos pesadelos
enquanto tentava não ver
o castanho das unhas
a rudeza das mãos cheias de pêlos

contava-se que numa ocasião
não muito longe
de então
dera uma tapona a um menino
de jeitos
a rebentar-lhe os lábios
e ainda que
estas coisas se contassem
em surdina –
respeitosa e sussurrada –
era forçoso ter fé em
tais histórias
velhas ou novas
conforme os detalhes
as imaginações e as memórias

no dia
em que conheci
o medo
descobri o descontrolo
das ideias
a incapacidade de falar
enquanto me sentia perder
no negrume profundo
na ameaça constante daquele olhar

espremesse alguém –
para um caldeirão –
um general sedento de sangue
um feiticeiro de coração mirrado
e um dragão venenoso e feroz
ainda assim
não ficaria nem metade
da malícia mal ardida
que ali respirava
em cada indício de gesto
em cada dobra da voz

no dia
em que conheci
o medo
descobri a insónia
da espera pela maldade
que pode existir em corpo de gente
a revolta da humilhação
pequenez e o pânico
que se vive envergonhadamente

por mais que tentasse
não concebia
qualquer espécie de
razão –
má ou boa –
para que uma dúzia de crianças
estivesse entregue
àquela lenda do terror
àquele estropício de pessoa

e não tinha
nem tenho ainda
ideia de nada que nos ensinasse
a não ser a certeza –
firme e fria –
que não há terras encantadas
que a bondade não é gratuita
que não existem fadas
nem anjos
nem magia

o dia
em que conheci
o medo
– que revivo ainda
em sonhos e acordada –
foi seguido de muitos outros
dias em que
na fila do fundo
olhos fixos na tijoleira do chão
me encolhia em silêncio
a ver se escapava
da natureza violenta mal explicada
e do discurso condescendente
e acusador –
a tentar ser moralista –
da dona lurdinhas
a senhora catequista

raquel patriarca
oito.julho.doismiledez

reflexos I


"no elevador"
entre o quarto e quinto andar do hotel - vienna - áustria
raquel patriarca
março.doismiledez

estrelas, planetas, plutóides e outras esferas do espaço - história redonda e achatada nos pólos... capítulo quatro

E há muitos planetas, Plutão?
– Imensos! Há muitos que os cientistas conhecem e ainda muitos mais por conhecer. À volta do nosso Sol agora há oito planetas – Disse Plutão enquanto apontava para todas as esferas por onde o menino tinha passado. - A mim também já me chamaram planeta mas parece que sou demasiado pequeno e ganhei um novo nome.
– E tu não ficas triste? De não seres planeta como os outros? – Quis saber o menino preocupado.
Plutão atirou-se para trás e deu uma grande gargalhada.
– Não, querido! Não fico nada triste. – Sorriu para o menino com toda a doçura. Sabes, quando os cientistas descobriram que eu existia, eu já aqui estava há muito, muito tempo. Um tempo que só mesmo as estrelas conseguem lembrar. E vou ficar aqui muito, muito mais tempo. Mais cientistas hão-de vir com outras palavras engraçadas e nomes maravilhosos para nos dar a todos, e nós continuamos aqui, a dançar no espaço e a dar inspiração e grandeza aos sonhos dos cientistas meninos.
– E gostas do nome que te deram agora? Gostas de ser plutóide? – Perguntou o menino.
Plutão sorriu e abanou-se todo a dizer que sim.
– Oh sim! Estou muito contente. Já é magnífico quando nos dão um nome bonito. Mas quando inventam uma palavra nova só para nós, é muito mais especialíssimo! – Explicou Plutão muito entusiasmado. – Além disso ‘plutóide’ é uma classe muito mais fixe que planeta. E planetas há muitos.
– Ainda bem que estás contente! – Disse o menino mais aliviado. – Estava preocupado.
Plutão piscou o olho e continuou com a sua voz serena.
– Não precisas de te preocupar. Se pensares bem, nada mudou. Eu sou exactamente igual. Gosto deste cantinho do universo, mesmo frio e escuro. Penso que tenho tamanho, peso e massa em quantidades ideais. De vez em quando fico todo coberto de gelo e nessas alturas tenho muita pinta. Adoro os meus amigos. De longe a longe o Neptuno vem visitar-me para falarmos um bocadito sobre as magias do espaço.
– Eu também gosto muito de ti. – Confessou o menino. – Assim como és. – Acrescentou.
– Obrigado! – Respondeu Plutão um bocadinho corado. – Agora diz-me cá: o que raio é uma televisão?
O menino sorriu, sentiu-se muito importante por estar a ensinar coisas a um astro antigo e sábio, da idade do próprio tempo. Explicou tudo muito bem, com gestos e tudo, e respondeu a uma montanha de perguntas interessantes.
O menino esteve muito tempo à conversa com Plutão e os seus amigos. Depois despediu-se, prometeu fazer nova visita em breve e regressou ao planeta Terra.
O pai ainda estava a acabar de lanchar e o menino aproveitou para comer mais um pedaço de maçã e um bocadito de queijo, enquanto os dois acabavam de ouvir as notícias na televisão. Quando acabaram o pai perguntou:
– O que achas disto, filhote? Bestial não é? Uma nova classe de planetas!
– Sim, papá. Gosto especialmente da palavra ‘plutóide’… É muito engraçada. – Respondeu o menino. – Mas o Plutão de ontem é igual ao de hoje não é? No fundo não mudou nada, pois não?
– Pois não, filho! Tens razão. – Disse o pai. – Não era maravilhoso se pudéssemos viajar no espaço e visitar os planetas? – Perguntou ao mesmo tempo que pegava no filho ao colo para o pôr no chão.
– Sim, papá. Era maravilhoso! – Disse o menino enquanto respondia ao abraço do pai. – Era mesmo muito mais especialíssimo!

– fim –

raquel patriarca

três.março.doismilenove

terça-feira, 6 de julho de 2010

monumentos e instituições de uma cidade

"o balão do pedro"
s. joão - porto

"homenagem a manuel antónio pina"
feira do livro - porto

gigões são anantes muito grandes.

anantes são gigões muito pequenos.
os gigões diferem dos anantes:
uns são um bocado mais,
outros um bocado menos.


era uma vez um gigão tão grande, tão grande,
que não cabia.
- em quê?
- o gigão era tão grande
que nem se sabia
em que é que ele não cabia!

mas havia um anante
ainda maior que o gigão,
e esse então
nem se sabia se cabia ou não!
poema: manuel antónio pina
milnovecentosesetentaequatro
fotografias: raquel patriarca
cinco e vinteequatro.junho.doismiledez

começam a faltar-me pessoas de cabelos brancos

.
matilde rosa araújo
milnovecentosevinteeum - doismiledez

josé saramago
milnovecentosevinteedois - doismiledez

as fotografias não são minhas,
só a homenagem.

raquel
seis.julho.doismiledez

sexta-feira, 2 de julho de 2010

o desânimo é um chico-esperto da pior espécie

a parte má de se andar – uns dias atrás dos outros – a fintar o desânimo e a fazer de conta que não nos afecta, é que naqueles poucos dias em que – ocupados às turras com qualquer coisa – o filho da mãe nos apanha despreparadinhos de todo, enquanto se nos encadeiam os olhos e a alma na revelação inegável da estupidez humana em todo o seu esplendor, enterra-se-nos o corpo e a vontade pela terra adentro, numa profundidade efectiva e mensurável em cenários de tal maneira insuspeitos que, absorvidos no esforço de auto preservação, mal damos conta que o desânimo, sorrindo com a boca cheia e os dedos lustrosos de gula, nos vai comendo as papas na cabeça.

raquel patriarca
um.julho.doismiledez